REAL SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DEZESSEIS DE SETEMBRO E HOSPITAL PORTUGUÊS NOS SÉCULOS XX E XXI

O modelo de hospital que foi projetado a partir de 1931, com a construção do Hospital Português na Barra, nos remete a análise dos novos padrões da medicina moderna e do hospital empresa. Nessa trajetória destacam-se os pontos principais da evolução histórica da medicina hospitalar, em especial a tradição portuguesa.

O hospital quando posto em uma análise “macro” transcende as suas funções estritamente técnicas para o desempenho dos papéis sociais, econômicos, ideológicos, científicos e políticos articulando-se com diferentes sistemas de ação detentores dos poderes de “modelagem e legitimação”, ou seja, toda a Sociedade Civil.

O estabelecimento de saúde atual é uma instituição com base jurídica e material que lhe é concedida pelo Estado e legitimado através do poder político; jogo das relações sociais; e missões, finalidades, valores, regras e normas, determinadas pelos elementos culturais de cada comunidade.

O hospital gerindo como empresa é uma organização/unidade social ou agrupamento humano especializado construído e reconstruído intencionalmente a fim de alcançar objetivos específicos. Em sua estrutura reúne diferentes categorias profissionais com a finalidade de manter a excelência de serviço ao paciente. A própria fundação da Real Sociedade é o reflexo desse serviço de atendimento ao cliente.

O nosocômio, numa cultura ligada a questões da vida e da morte, como a nossa e, às diferentes representações de saúde/doença; tem um papel social relevante, estabelecendo inclusive novas condutas culturais; novas maneiras de gerir a sociedade.

Atualmente, o que é novo é a organização hospitalar, não a sua função. O que caracteriza o hospital moderno é a ruptura com o conceitual, isto é, à trajetória que vem do social, prestação assistencial, ao sanitário, produção de cuidados de saúde, a evolução do conceito de hospitalidade e caridade para a prestação de serviço.

O que se apresentou como atual nas sociedades modernas foi a emergência dos sistemas integrados de saúde. A instituição neste modelo manifesta-se como necessária para o tratamento, a cura, reabilitação e reintegração além de ser um lugar de ensino e de investigação científica e difusão das ciências biomédicas.

Sensível às mudanças e comprometida com a constante melhoria dos serviços prestados, a Sociedade de Beneficência resolveu apostar na modernização do Hospital. Imbuída deste propósito, a Diretoria decidiu transferir o Hospital para o centro da cidade. A propriedade que deveria sediar o presente nosocômio teria que ser de fácil adaptação e possuir em anexo uma boa área de terreno que permitisse o ampliação da edificação.

Vários terrenos e propriedades foram examinados na localidade da Vitória. O primeiro a chamar a atenção foi o casarão do antigo Colégio Selvão, todavia, estava em ruínas e dificilmente poderia ser recuperado. Outra casa que inicialmente era adequada para o empreendimento foi a pertencente ao Senhor José Joaquim Fernandes Dias, contudo, não estava no padrão estabelecido pelos planos da Real Sociedade. O mesmo aconteceu com um terreno na Avenida Araújo Pinho, de propriedade do Senhor  Antônio Carlos de Soveral.

Surgiu a notícia que o Palacete José de Sá, situado na Avenida Princesa Isabel, n.º 2, Barra Avenida, estava à disposição para a compra. Analisando os requisitos desejados resolveu a Diretoria comprar o imóvel. A venda foi realizada pelo Dr. Francisco de Sá, em nome de sua mãe, a viúva Exm.ª Senhora D. Maria Teixeira Ribeiro de Sá. A escritura foi lavrada em 22 de agosto de 1930.

Iniciou-se as obras de adaptação, sob a constante e dedicada orientação do Médico Diretor Professor Fernando Luz. O Hospital ficou assim estruturado: no andar térreo, o salão nobre, o Gabinete de Raio X, a Seção de Fisioterapia e Administração, a rouparia, três enfermarias para sócios, aparelhos sanitários e nas duas alas, de um lado o ambulatório, com duas salas; uma para consultas e outra para curativos, servidas ambas de instalações sanitárias. Na outra ala, ficava a copa, cozinha e as dependências dos trabalhadores. No primeiro andar localizavam-se os quartos de pensionistas, em números de sete e mais um apartamento de luxo, com quarto de banho, a sala de operações e anexos. Externamente foram construídos um pequeno pavilhão de isolamento, com três quartos azulejados, servidos por sanitários individuais; além de uma Capela.

A Real Sociedade teve também a preocupação e o cuidado de adquirir os melhores equipamentos e instrumentos médicos da época, comprando-os todos no exterior. Tal fato mostra a intensa dedicação das sucessivas Diretorias em manter o Hospital Português sempre atualizado.

Em 7 de junho de 1931, com a presença das autoridades civis e militares, bem como as autoridades eclesiásticas, foi inaugurada a Nova Sede do Hospital Português da Bahia. Com destaque para os discursos do Diretor Carlos Lacerda, do Cardeal, D. Augusto Álvaro da Silva, Arcebispo de Salvador e do Senhor Dr. Fernando Luz.

O corpo médico do Hospital era composto pelos Professores Fernando Luz, Eduardo Diniz Gonçalves e o Radiologista, Dr. Orlando Ribeiro. Prestavam serviço gratuitamente no Hospital Português os doutores Mathias Bittencourt, Alfredo Bourreau e Colombo Spínola.

Em 1932 assumiram a administração do Hospital as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas, hoje Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC). Primeira Comunidade de Irmãs que chegavam para trabalhar no Hospital Português Irmã Esperança da Glória (Superiora), Irmã Olandina do C. de Jesus (Enfermeira), Irmã Leopoldina Nogueira (ajudante) e Marieta Gonzaga (postulante). Entretanto, em poucos meses a Direção do Hospital passou para a Irmã Ilidia da Anunciação. Uma nova casa, o Asilo Santa Isabel, exigia a presença de Irmã Esperança.

O prédio e os terrenos do antigo Hospital Português no Alto do Bonfim, que ficaram vazios após a mudança, foram vendidos à Comunidade das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. Estas transferiram para lá a sede do Noviciado Casa de Formação, que funcionava no Colégio São José. Em 6 de janeiro de 1938, o Noviciado inaugurava sua nova Casa que foi intitulada Convento da Sagrada Família.

Merece destaque no exercício de 1933-34, a inauguração do retrato a óleo do Professor Fernando Luz, homenagem recebida pelos grandes serviços prestados ao Hospital Português e a Real Beneficência e a admissão do Dr. Adriano Pondé, em substituição ao Dr. Orlando Ribeiro.

Em 15 de agosto de 1936 foi lançada a pedra fundamental da nova construção, a cargo da Odebrecht.

Em 29 de Maio de 1938 foi inaugurado o novo pavilhão, anexo ao Hospital já existente, com cinco pavimentos e instalações de Raio X, ambulatório, trinta quartos e duas salas de operações modernamente equipadas. Na solenidade de inauguração, além da presença da comunidade portuguesa baiana e das Diretorias da Real Beneficência e do Gabinete Português, merecem destaque o Interventor Federal Landulpho Alves e o Cardeal da Silva.

Destaca-se também a reforma dos Estatutos em 17 de março de 1940 a fim de enquadrar a Real Sociedade nas novas Leis brasileiras para instituições filantrópicas e assistenciais.

No dia 2 de fevereiro de 1942, ocorreu o falecimento do Médico Diretor Prof.º Dr. Fernando Luz, que durante 30 anos prestou relevantes serviços à Real Sociedade e ao Hospital Português, procurando sempre meios para melhorá-lo e modernizá-lo. A Diretoria permaneceu 30 dias de luto e realizou reverências perante os familiares concedendo o título de Grande Benemérito.

Neste 147 anos de história da Real Beneficência, podemos considerar que o Dr. Fernando Luz, infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFBA, foi um dos personagens mais relevantes. Este médico foi o responsável por todo projeto de modernização do Hospital Português. É a partir da década de 1930 que o nosocômio se enquadra ao novo modelo de estabelecimento de saúde/empresa. O Dr. Luz foi amplamente dignificado e congratulado em sua época, mas merece ser sempre lembrado pelos anais da história.

Com o objetivo de sempre progredir, a Diretoria iniciou o planejamento de novas ampliações no Hospital. Em 1943 começava-se a construir o novo pavilhão, que ficou assim configurado: sala para serviço fisioterápico, laboratório de análise clínica, ampliação do bloco cirúrgico, com a construção de mais duas salas e a instalação da Maternidade isolada no 2º andar. O Hospital Português passou a ter 15 apartamentos, 73 quartos, 8 enfermarias e 150 leitos. O último andar foi estruturado para acomodar a clausura das Irmãs Hospitaleiras. Adquiriu-se também, uma aparelhagem completa de rádio-diagnóstico, inclusive Raio X portátil. Em 15 de agosto de 1944, foram inauguradas as novas instalações, com missa solene na Capela do Hospital.

Sempre prestadora de serviço à comunidade soteropolitana, a Real Sociedade ganhou o título de Sociedade Nacional do Governo Federal, expresso em publicação do Diário Oficial do dia 8 de agosto de 1947. A partir de então, a instituição que possuía status de estrangeira, tornou-se uma sociedade brasileira.

Observamos que nos anos de 1945 a 1965 grandes reformas de ampliações foram realizadas no Hospital Português, uma nova aquisição de equipamentos visando a constante atualização das unidades médicas. Em 1948, comprou-se mais duas casas vizinhas ao Hospital. Em 1950 inaugurou-se as novas instalações de Raio X e entronou-se a imagem de Nossa Senhora de Fátima, vinda de Portugal, na Capela do Hospital Português. Em 1956, um novo impulso levou a Diretoria a encampar a construção de um moderno pavilhão para instalar a Maternidade.

O Hospital Português tomou grande impulso desde 1957, data de seu 1º Centenário. Por esta ocasião, foi inaugurada a Maternidade, a 5 de junho, com a honrosa presença do Excelentíssimo Sr. Presidente da República de Portugal, General Francisco Higino Craveiro Costa. Desde, então, as inaugurações vêm se sucedendo, sendo que a mais importante, a do novo pavilhão, em dezembro de 1997, pôs o Hospital entre os primeiros do Brasil. A solenidade marcou um momento histórico na vida da Cidade, estando presentes, mais uma vez, autoridades das categorias: eclesiásticas, civis e militares, destacando-se o Eminentíssimo Cardeal Augusto Álvaro da Silva, o Governador Luiz Viana Filho, o Embaixador de Portugal José Manoel Fragoso. O novo Pavilhão que dá moderno aspecto arquitetural ao conjunto hospitalar, em contraste com o primitivo prédio anexo, passa a situar-se entre os melhores e mais aparelhados nosocômios do País.

O Hospital Português dispunha, em 1957, de um centro cirúrgico com 10 salas para cirurgias, de um ambulatório no qual se integrava o maior número de especialidades médicas e o quadro funcional era composto de 512 trabalhadores, entre médicos, dentistas, enfermeiras e auxiliares, técnicos e funcionários administrativos.

A Diretoria notou que o movimento de pacientes aumentava a cada ano, recorrendo assim, a mais uma grande reforma em 1966.

Em 1974 a estrutura do Hospital Português consistia em 254 leitos, onde realizaram-se cerca de 700 internamentos por mês. Contava com um Centro Cirúrgico dos mais bem equipados, que satisfazia a um movimento cirúrgico intenso, cerca de 25 cirurgias diárias. Agregava 7 salas, sendo 3 destinadas às intervenções otorrinolaringológicas e 4 às cirurgias gerais. Uma sala de preparo de material cirúrgico e de esterilização, com 3 auto claves e 2 estufas. Em anexo, existia um Centro de Recuperação dos Operados (CRO), e também o serviço de transfusão de sangue e de anatomia patológica. No primeiro andar funcionava um laboratório de análise química e bacteriológica de grande porte, equipado com os melhores e mais sensíveis aparelhos de precisão, utilizados em dosagens bioquímicas. Havia também um laboratório para provas pulmonares. O quarto andar do Hospital era destinado a atendimentos obstétricos inclusive com centro obstétrico separado e, ao lado deste, um berçário modernamente equipado, com sala de encubadora e do aparelho de fototerapia, usado nos casos de icterícia dos recém-nascidos. Uma média de dez crianças nasciam diariamente. Ainda neste andar, existiam as salas de cirurgias, já mencionadas, bem como, a da farmácia, para atendimentos internos do Hospital, e, finalmente, um conjunto de salas destinadas à fisioterapia, ortopedia e audiometria. No subsolo, o Hospital Português albergava dois serviços de primordial importância, o Serviço de Radiologia e o Departamento de Radioterapia, contando com a estrutura física de três amplas salas de Raios X, equipadas com diferentes e modernos aparelhos capazes de satisfazer aos mais exigentes e sofisticados procedimentos radiológicos, dispondo de um sexiógrafo de circuito fechado de televisão e amplificador de imagem, um transformador potente, um termógrafo e mais uma sala de revelação com máquina de revelar automática. O Departamento de Radioterapia, por sua vez, não menos equipado, desenvolveu um atendimento especializado, dirigido à oncogênese.

A Real Sociedade também investiu na construção da Quinta Portuguesa, espaço que oferece uma agradável opção de hospedagem e lazer. O local ocupa mais de 400 mil m2 de área verde repleta de jardins, bosque, diversas árvores frutíferas, barragem e salões de eventos, devidamente equipados, para a realização de cursos, seminários, atividades afins e outros acontecimentos, além de apresentar os melhores pratos da cozinha de Portugal, situada na Rodovia Aeroporto CIA Km 4,5. Ideal para reunir a família, amigos ou simplesmente retirar-se da agitação do dia-a-dia e buscar a contemplação, a meditação e a paz de espírito.

O Hospital Português contou, ao longo dos anos, com o trabalho filantrópico de suas Diretorias, que sempre exerceram suas funções, primando pelo objetivo básico da entidade: promover a saúde. Hoje, a Instituição é reconhecida de Utilidade Pública por decretos dos Governos Municipal, Estadual e Federal, pelos serviços prestados à comunidade baiana.

O Hospital Português tem por meta oferecer à sociedade serviços médico-hospitalares de excelente qualidade, norteados por critérios éticos e científicos, apresentando o que há de mais avançado e eficaz na prevenção, tratamento e reabilitação da saúde.

Imbuída na mesma filosofia assistencial que a tornou uma Instituição pioneira no desenvolvimento de ações humanitárias, a Real Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro tem aumentado sua atuação através do Centro de Estudos Professor Egas Moniz, português, detentor do Prêmio Nobel de Medicina em 1949, patrocinando cursos, congressos, palestras e jornadas médicas, como também, contribuído para a formação de médicos estagiários, residentes e estudantes no período de internato, além de subsidiar todos os estudos clínicos e epidemiológicos do Hospital.

A biblioteca situada no 5º andar do novo prédio do Centro de Recursos Humanos, possui um acervo de livros, periódicos nacionais e estrangeiros, devidamente cadastrados e um serviço de informática atualizado. O Departamento Científico-Cultural vem desenvolvendo didáticas de pesquisa e editoriais.

O Hospital Português é pioneiro em transplantes no Norte e Nordeste. Realiza transplantes renais desde o ano de 1980 e de coração há mais 15 anos.  E é especialista também em transplantes de medula óssea, córnea e fígado.

É uma organização moderna, que não poupa esforços para empregar a melhor tecnologia em equipamentos e para investir no desenvolvimento pessoal e profissional dos seus colaboradores, valorizando-os e incentivando-os, para continuar crescendo, a exemplo da recente inauguração do Centro Médico, em 2001, para oferecer sempre o melhor atendimento nas diversas especialidades médico-hospitalares, sem nunca esquecer os ideais que deram início a esta Instituição: prestar assistência a quem necessita.

FUNDAÇÃO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DEZESSEIS DE SETEMBRO

Cientes da importância de uma instituição que aglutinasse os objetivos tão rigidamente visados, deliberou-se a fusão das duas Sociedades marcando para o dia 14 de agosto de 1859, uma reunião Geral, na sede da Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro com a presença dos sócios.

Deste modo, fundiram-se as duas Sociedades, tornando-se o seguinte Termo:

“Aos quatorze dias do mês de agosto de mil oitocentos e cinqüenta e nove, na sala das sessões da Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro, compareceram os sócios dela e os da Sociedade Portuguesa de Beneficência, por convite das suas Diretorias e declararam estes, que ficaria definitivamente aceita e aprovada a junção das ex – Sociedade Portuguesa de Beneficência e Dezesseis de Setembro sob o título de “Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro”, única que como tal será reconhecida e respeitada pelos nossos sócios, deixando assim de existir as duas Sociedades anteriores, hoje incorporadas tanto no capital como no pessoal sendo os sócios primitivos os incorporadores da nova Sociedade, sujeitando-se às imposições e as regalias os Estatutos e Regulamentos que se aprovarem. Depois de lido e aprovado este termo perante todos os abaixo assinados fica de fato e de direito incorporada a Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro. Bahia e sala das sessões em 14 de Agôsto de 1859.
Assinados: Joaquim Ricardo Pimentel Batista, Dr. José da Rocha de Miranda Figueiredo, Manoel Ferreira da Silva Couto, Fernando Pereira da Cunha, Cândido Augusto Pires Aguiar, Antônio Joaquim Pereira da Silva, Antônio Joaquim Rodrigues, José Joaquim Gonçalves, Augusto Francisco dos Santos, Guilherme Marinho Galvão, Manoel de Lemos Ribeiro, Antônio Ferreira de Resende”

Existiu uma Mesa Provisória para o período de transição, só depois se elegeu a Mesa definitiva. A mesa da Assembléia Geral ficou assim composta: Presidente Comendador José Agostinho de Salles, Secretários João Luiz Fiúza e Melo e Antônio Joaquim Pereira da Silva.

Os Estatutos foram reformulados no sentido de possibilitar o aumento no número de sócios, pois muitos compatriotas viviam em povoações fora da capital e nas Províncias de Sergipe e Alagoas. Assim, foram abertas agências da Sociedade em Valença, Cachoeira, Santo Amaro, Porto Seguro e Ilhéus nesta Província, na de Alagoas em Maceió, e na de Sergipe em Estância, Propriá, Moroim e Laranjeiras.

Consta nos anais da história desta Sociedade alguns desentendimentos com o Governo local. O Governo queria ter influência sobre a escolha do Presidente da Sociedade. Tal fato implicaria na intromissão do Estado nas decisões da instituição.

Em 17 de outubro de 1862 S. Majestade El – Rei D. Luiz I por solicitação da Diretoria, assinou Alvará declarando-se Protetor da Sociedade. E eleita a nova Diretoria para o exercício de 1862 a 1863, encaminhou solicitação, a Sua Majestade, do Título de Real para a Sociedade, tendo sido conferido por Alvará de 27 de maio de 1863, nos seguintes termos:

“Eu El – Rei forço saber aos que este Meu Alvará virem que, atendendo ao que Me representou a Sociedade Portuguesa da Beneficência Dezesseis de Setembro, estabelecida na cidade da Bahia, no Império do Brasil, da qual Me declarei Protetor por Alvará de dezessete de outubro de 1862 e, Querendo Dar-lhe um novo testamento da consideração em que Tenho o mesmo Estabelecimento pelos salutares fins da sua instituição: Hei por bém e Me praz Anunciando a proposta do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, conceder faculdade a mencionada associação para usar do título de REAL, podendo por tanto d’ora em diante intitular-se  Real Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro. E, para que assim fique constando autenticamente no archivo da referida Sociedade e possa esta Real Mercê surtir todos os efeitos se passa este Alvará.”
27 de Maio de 1893 (Selo Real)”
El Rei
Anselmo José Braamcamp

Tais proteções e títulos reais mostram claramente a estratégia de aproximação da Sociedade com a sua pátria, tentando assim, diminuir as pressões do Governo da Província da Bahia para influenciar diretamente na Diretoria.

A partir de então, com maior estabilidade política e financeira, as Mesas Diretoras iniciaram diversas ações que ampliaram os serviços que a Real Sociedade prestavam a comunidade, com um conseqüente aumento do patrimônio.

O exercício de 1862-63 foi assinalado pela encomenda ao célebre pintor Resende da cidade do Porto, do retrato a óleo de corpo inteiro de S. Majestade Fidelíssimo El-Rei o Senhor D. Luiz I. Outro fato digno de apreço foi a fundação do Gabinete Português de Leitura, no dia 12 de março de 1863, por iniciativa do Comendador Manoel Joaquim Rodrigues, na sala de sessões da Sociedade Portuguesa de Beneficência. A idéia da criação de uma instituição de caráter cultural tinha o intuito de proporcionar aos jovens vindo de Portugal e aos “portadores de bons costumes” o acesso as letras. Todas as vezes que um navio português chegava no Porto da Bahia as portas do Gabinete eram abertas, para que os marinheiros pudessem acessar a leitura. Tal fato ilustra bem os princípios desta Instituição.

A Sociedade de Beneficência e o Gabinete Português de Leitura realizaram conjuntamente inúmeras atividades culturais e recreativas com a finalidade de arrecadar donativos para as obras assistenciais da Real Sociedade ou para ampliações ou reformas do Hospital Português. Essas atividades eram, em sua maioria, realizadas no Teatro São João, onde hoje situa-se o Palácio dos Esportes.

No exercício 1863-64 a Diretoria, com a finalidade de promover melhores condições para o funcionamento da Real Sociedade, alugou um pavimento inteiro de uma das novas propriedades da Rua das Princesas hoje, Rua Portugal no Bairro Comercial. A Sociedade crescia continuamente. Somente em 1879, a Diretoria resolveu deixar a casa na Rua das Princesas, onde funcionava sua Secretaria, passando a realizar as sessões no Salão Nobre da Associação Comercial.

Neste mesmo exercício foi realizado, no dia 15 de agosto de 1864, uma grande festa de inauguração do retrato do El-Rei D. Luiz I. O 15 de agosto é um dia muito importante para a religiosidade e o patriotismo português. Comemora-se nesta data a vitória de Aljubarrota, de Portugal contra Castela, e o dia de Nossa Senhora da Assunção.

Na festa de inauguração do retrato do El-Rei a Diretoria divulgou a todos a vontade de se criar uma Casa de Saúde ou um Hospital, realizando o tradicional recolhimento de donativos. A primeira iniciativa da Diretoria foi contratar os serviços do Dr. Seixas, dono de uma Casa de Saúde, situada à rua da Ordem Terceira de São Francisco.

Essa etapa da história da Real Sociedade é extremamente relevante, pois a partir daí a assistência hospitalar passou a ser o serviço mais importante oferecido pela Beneficência.
5. FUNDAÇÃO DO HOSPITAL PORTUGUÊS

Por proposta do sócio Gabriel Osório Barros, os membros da Real Sociedade resolveram criar um Hospital. A proposta foi aprovada pela Assembléia Geral e uma comissão foi autorizada pela diretoria para tratar da aquisição de um prédio com proporções convenientes e terreno anexo para obras de ampliação, se necessário, além do mobiliário, utensílios e instrumentos médicos.

Fortemente empenhada na compra de um prédio para um Hospital, a Diretoria deparou-se com um casarão no Alto do Bonfim que pertencia aos herdeiros do Dr. Evaristo Ferreira de Araújo. Em 20 de dezembro de 1864 foi adquirido o prédio, em acerto com a Senhora Thomásia Ferreira de Araújo e seus filhos.

O Engenheiro Civil Ladislau Videck, húngaro de nascimento, a serviço da Província foi encarregado da leitura da planta do Hospital. Aprovada pela Diretoria, logo se tomou as providências necessárias para iniciar a construção, que durou 16 meses.

A inauguração do Hospital Português deu-se em 16 de setembro de 1866 sendo um dos acontecimentos de maior importância do momento. Estiveram presente a cerimônia sua Eminência o Arcebispo D. Manoel Joaquim da Silveira, o Vice-Presidente da Província Dr. Pedro Leão Veloso, o Intendente da Marinha, o Cônsul de Portugal Comendador Augusto Peixoto, o Barão do Rio Vermelho, o Presidente da Câmara Municipal, a Comissão de Representações e toda a colônia portuguesa. Foi celebrada missa solene na Capela, seguindo-se de visita a todas as dependências do Hospital. O Primeiro Médico do Hospital foi o Dr. José Alves Cardoso da Silva, que trabalhou na função durante anos.

As gestões que seguiram trataram do embelezamento e alinhamento da entrada do Hospital. Aberta a praça denominada de “Praça de Bragança” em frente à entrada do Hospital e nivelada a rua, foi oferecida à Municipalidade para uso público, conforme ofício de 7 de janeiro de 1870 assinado pelo seu Presidente Comendador José de Barros Reis.

Continuando o embelezamento do terreno e do edifício do Hospital, a gestão 1871-72, mandou fabricar o gradeamento e o portão principal, com os fabricantes de ferro da Jequitaia. Construiu-se também a muralha de contenção, para evitar deslizamentos e, os jardins laterais.

O prédio do Hospital, situado no centro de uma chácara, com aproximadamente 25 metros de frontispício, de arquitetura elegante e sóbria, circundado por jardins, era um local muito apropriado para cuidar da saúde. Sua distância do centro da cidade era mais um ponto positivo para a concepção de medicina urbana da época. No primeiro pavimento estavam instaladas a Capela, a sala de visitas, uma enfermaria, denominada São José, uma dispensa, a cozinha e sanitários. No segundo andar encontravam-se o salão nobre, com sua galeria dos benfeitores, as enfermarias Santo Antônio e Santa Isabel, além de seis quartos de pensionistas, salão de leitura e instalações sanitárias. Possuía ainda, externamente, quartos para os trabalhadores da casa.

Os sócios desvalidos eram recebidos e tratados gratuitamente, assim como os pensionistas de 1ª e 2ª classes, além dos sócios eram atendidos, também, portugueses e mesmo brasileiros “desprotegidos da sorte”.

O Hospital era dirigido por um médico, que tinha autoridade para chamar outros profissionais para auxiliá-lo quando necessário. Em consultas comuns, o paciente se dirigia ao Hospital onde era atendido prontamente pelo médico responsável. Todavia, se o paciente estivesse impossibilitado de dirigir-se ao consultório, o médico o visitava em sua residência. Havia ainda um serviço de ambulatório, gratuito, que funcionava no Hospital, duas vezes por semana, para os moradores da Freguesia da Penha.

Durante todo o período de funcionamento, o antigo Hospital passou por várias reformas, inspiradas no desejo de melhor capacitar o nosocômio para servir aos seus sócios e a comunidade. Destaca-se a construção de uma sala especial para intervenções cirúrgicas, curativos e aquisição de instrumental cirúrgico, inclusive estufas e esterilizadores raros, na época, em Salvador.

No dia 28 de novembro de 1874 realizou-se a Assembléia Geral, quando os sócios tomaram conhecimento da proposta do Senhor Manuel da Silva Alves Pereira para que fossem admitidos como pacientes no Hospital, na condição de pensionista, qualquer pessoa sem distinção de nacionalidade. Entretanto, a proposta foi recusada, a diferenciação entre portugueses e brasileiros ainda era muito forte neste período.

A partir de 1875, em diversas reuniões da Diretoria, discutia-se a idéia de se instalar uma Casa de Saúde hospital particular, em que os doentes pagam o tratamento, no recinto do Hospital. A idéia foi rejeitada, pois, a mentalidade da época versava que os homens de recursos e seus familiares deveriam ser atendidos em casa; dirigir-se para um estabelecimento de saúde significava rebaixamento.

Em 1880 torna a aparecer a discussão da Casa de Saúde nas Atas de Diretoria. O argumento usado pelos defensores das idéias baseava-se na possibilidade do aumento da receita da instituição, por não existir na cidade outro estabelecimento similar. Mas a idéia foi novamente rejeitada em 1882. De 1883 a 1920 não há menções sobre o assunto, nos documentos da Sociedade.

Destaca-se no ano de 1910 a iniciativa da Diretoria para confeccionar a Bandeira da entidade. Antes desta data, a Real Sociedade usava a Bandeira de Portugal para representá-la. Com a mudança do sistema político de Portugal, de monarquia para república, os sócios da Sociedade se recusaram a astear a bandeira republicana, pois a maioria deles era monarquista.

O processo de discussão da ampliação dos beneficiados com os serviços prestados pela Sociedade só foi retomado em 1921, graças a iniciativa do Professor Fernando Luz de criar um serviço de pensionistas, para não sócios.

Somente em 1925 é que a Diretoria discutiu as modificações necessárias no Estatuto, a fim de possibilitar a criação de tal serviço.

Em 1927, a Diretoria tratou de reformar o Estatuto, devido a criação de uma classe de sócios subscritores, de qualquer nacionalidade, começando por admitir as esposas e os filhos de sócios, aumentando assim, o quadro social da instituição.

Este ato e os grandes serviços prestados à sociedade soteropolitana, fez com que a Real Sociedade fosse reconhecida como de Utilidade Pública, em 24 de maio de 1929, pela Lei n.º 2160. Neste mesmo ano definiu-se a transferência do Hospital para um ponto mais próximo do centro da cidade e iniciaram-se os esforços para a criação de um novo modelo de hospital, que atendessem aos objetivos almejados pela Diretoria, aos novos padrões da medicina moderna e às necessidades da população.

Durante os 65 anos (1866 – 1931) que o Hospital Português sitiou-se no Alto do Bonfim foram atendidas cerca de 2.642 (dois mil seiscentos e quarenta e duas) pessoas e realizados 175 (cento e setenta e cinco) casos cirúrgicos.

SOCIEDADES DE ASSISTÊNCIA

O modelo de hospital beneficente que foi criado no século XIX, na Bahia, a exemplo do Hospital Português, tem suas raízes na evolução dos estabelecimentos de saúde em Portugal.

Destacam-se três fases evolutivas para a história dos hospitais e instituições de saúde criadas no Brasil. A primeira fase corresponde à criação de estabelecimentos de cariz locais: hospícios, albergarias, gafarias e mercearias. A segunda fase foi a de oficialização, adequação, organização e desenvolvimento dessas instituições. A terceira foi a criação de instituições tipicamente assistencialistas; o Hospital de Óbitos, atualmente Hospital Caldas da Rainha, o Hospital Real de Todos os Santos, a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e o surgimento dos primeiros hospitais nos padrões oitocentistas portugueses.

Os hospícios foram estabelecimentos que primeiramente eram destinados ao assistencialismo às crianças abandonadas. Em Portugal, teve seu início com o Hospital dos Meninos de Lisboa fruto da iniciativa da rainha D. Beatriz, primeira mulher de D. Afonso, em 1458. Tradicionalmente, as crianças rejeitadas eram deixadas nas igrejas e conventos. Mas, após a fundação do Hospital Real de Todos os Santos no ano de 1543, esses menores passaram a ser abrigados no referido estabelecimento beneficente. Depois, esses hospícios para crianças ficaram denominados de reformatórios.

Os asilos também têm sua origem nos hospícios da Idade Média e estavam indissociavelmente ligados a rainha D. Maria I que decretou a 6 de julho de 1853 a criação do Conselho Geral de Beneficência para a criação de medidas relativas a mendicidade. Já os manicômios são frutos das idéias liberais da revolução francesa e da discriminação das doenças mentais.

As albergarias criadas originalmente para assistência dos peregrinos que percorriam O Caminho de Santiago, em particular ao norte do Mondego, serviram também a viajantes, doentes e mendigos. Possuíam algumas enfermarias e seu sustento era proveniente das ordens religiosas e militares.

As gafarias eram destinadas aos internamentos dos gafos ou leprosos. Eram também designadas por leprosarias e, mais tarde, lazarentos, termo que deriva do fato de a lepra ser então igualmente conhecida como o mal de São Lázaro. Algumas gafarias sobreviveram até o século XX o que foi o caso das gafarias para Lázaros e Lázaras, ou melhor, enfermos de chagas incuráveis.

As mercearias foram destinadas originalmente às pessoas da nobreza empobrecida e, em geral, funcionavam junto às capelas. Seu nome é derivado da palavra mercês que significa graças, benefícios, tenças, donativos e favores. A mercearia mais antiga foi fundada por Bartolomeu Joanes, um rico comerciante de Lisboa, em 1342, destinada a pobres. Com a mesma finalidade foi criada outra mercearia por D. Afonso IV, junto a sede de Lisboa.

A Santa Casa de Lisboa, instituída a 15 de agosto de 1498, sob a proteção da Rainha D. Leonor de Lencastre, viúva do Rei D. João II,  foi formada da junção dos 43 pequenos e precários nosocômios presentes na cidade.

No Brasil, a primeira Santa Casa de Misericórdia teve sua origem em Santos no ano de 1543, por iniciativa do português Brás Cubas. Seu objetivo foi criar uma instituição para socorrer os marinheiros enfermos. A segunda Santa Casa do país teve sua sede na capital baiana, no governo de Thomé de Souza. Este imbuído da missão de fundar a cidade do Salvador para sediar o Governo Geral pensou logo na fundação de um estabelecimento assistencial para cuidar da saúde dos homens que compuseram a sua esquadra. Criou-se o Hospital da Santa Casa que teve várias denominações: Hospital de Caridade da Cidade, Hospital Nossa Senhora de Candeias, Hospital Real Militar, Hospital São Cristóvão de Caridade e o atual Hospital Santa Isabel, em Nazaré.

O Hospital São Cristóvão funcionou na rua da Misericórdia desde 1549 a 1833, quando foi transferido para o colégio dos jesuítas e intitulado Hospital Real Militar. Esse estabelecimento deu margem a acontecimentos que transformaram o cenário da capital baiana. A partir dele, foi criada a Escola de Cirurgia, instalada no Hospital Real Militar, por iniciativa de D. João VI, em fevereiro de 1808 dando início a trajetória da vida acadêmica da capital baiana.

A Escola de Cirurgia veio a transformar-se em Academia Médico-Cirúrgica da Bahia, no ano de 1815 à luz da Carta Régia de 29 de dezembro. E por força do decreto de 3 de outubro de 1832, a Academia Médico-Cirúrgica transformou-se em Faculdade de Medicina.

Existiram nesse período diversas sociedades, associações, irmandades e ordens, que imbuíam-se em prestar serviços assistenciais à sociedade. O serviço de assistência aos pobres crescia cada vez mais em face do aumento das populações de Salvador e do Recôncavo. Junto com este crescimento, ascendia o prestígio dos comerciantes portugueses em detrimento dos “senhores do açúcar”.

Alguns nobres portugueses preocupados em prestar um serviço beneficente para a sua comunidade, tiveram a idéia de criar uma sociedade, cuja finalidade principal seria socorrer portugueses necessitados e consequentemente criar uma rede de solidariedade e ajuda mútua entre os patrícios.

No ano de 1857 esses ideais tornaram-se materiais. Dois grupos lusos tomaram a iniciativa, separadamente. Um grupo de comerciantes, em sua maioria, criou a Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro, em 1º de janeiro. Um segundo grupo, liderado pelo Cônsul de Portugal Comendador José Agostinho de Salles, ligados à atividades mais tradicionais da Província, criou a Sociedade Portuguesa de Beneficência, em 20 de setembro do mesmo ano.

Essas duas Sociedades tiveram pouco tempo de existência, durando aproximadamente dois anos. A breve história da Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro inicia-se no dia 16 de setembro de 1856, num jantar em comemoração ao aniversário do Rei de Portugal D. Pedro V Monarca Constitucional. A festa tradicional na Colônia portuguesa realizou-se no arrabalde da Vitória, contando com a presença de inúmeros cidadãos de influência social. O Senhor Marcos José dos Santos aproveitando a ocasião descontraída, porém povoada de grande patriotismo, propôs aos cavalheiros ali presentes que criassem uma sociedade de beneficência. A idéia foi recebida com alegria e gerou os impulsos necessários para providenciar a abertura da instituição. Poucos meses depois, a idéia do jantar tornou-se concreta. Em 1º de janeiro de 1857 a Sociedade foi criada. A sessão de fundação foi realizada na casa do Senhor Marcos José dos Santos, situada à Rua Direita do Palácio, hoje Rua Chile. O nome da instituição é uma homenagem ao Rei de Portugal Pedro V e ao momento no qual a idéia foi germinada.

A Sociedade constituiu-se com quarenta e sete signatários, que no dia 30 de março, procederam a eleição da 1ª Diretoria composta por Presidente Marcos José dos Santos; Vice Presidente João Gomes; 1º Secretário Manoel Gomes dos Fernandes; 2º Secretário Joaquim Teixeira Ribeiro e Tesoureiro Joaquim Duarte da Cunha Pinto.

Em 30 de setembro de 1858, foi apresentado à Diretoria o primeiro relatório do ano administrativo e constatou-se um crescimento no número de sócios, de quarenta e sete para cento e cinqüenta e três, bem como do patrimônio da Sociedade.

A Diretoria eleita para o exercício de 1858 e 1859, notando a pouca afluência na entrada de novos sócios em contraste com o número de portugueses residentes nesta cidade, entendeu que os Estatutos não estavam de acordo com os benefícios fins que a Sociedade se propunha e, por isso, convocou uma Assembléia Geral para expor a necessidade da reforma.

Logo percebeu-se que a causa dessa pouca afluência estava na existência de outra sociedade, com o mesmo fim. Como a comunidade portuguesa na Bahia era pequena, se comparada à outras províncias como Rio de Janeiro e São Paulo, as Sociedades acabaram dividindo a colônia e enfraquecendo-se política e financeiramente.

A Sociedade Portuguesa de Beneficência nasceu da proposta de um outro grupo da colônia, liderados pelo Cônsul Salles. Fundada numa reunião em 20 de setembro de 1857, na sala das sessões da Sociedade Monte Pio da Bahia, estabelecida na propriedade do Trapiche Gomes, à rua do Julião n.º 32, onde se reuniram diversos portugueses, aproximadamente quarenta e oito membros.

Aos seis dias de dezembro de 1857 foi discutido e aprovado o Estatuto e no dia 23 de dezembro de 1857 foi realizada a reunião da Assembléia Geral para eleger a 1ª Diretoria da Sociedade Portuguesa de Beneficência, que configurou-se como Presidente Comendador José Agostinho de Salles; Vice-Presidente João Pinto D’Oliveira e Souza; 1º Secretário: Octávio Coelho Messeder; 2º Secretário José Teixeira Gomes. A sede funcionava na casa do seu Presidente. Uma das primeiras ações da Sociedade Portuguesa foi a entrega de donativos para os portugueses flagelados pela epidemia febre amarela.

Diante do impasse que dividia a comunidade, o Sócio – Presidente Marcos José dos Santos submeteu à aprovação da Assembléia Geral a fusão das duas Sociedades. Porém, não logrou êxito essa proposta por estarem os ânimos de alguns sócios exaltados. Alguns meses depois, na sessão de diretoria realizada no dia 14 de julho de 1859, tomou-se conhecimento de um ofício da Diretoria da Sociedade Portuguesa de Beneficência propondo a junção de ambas. Apesar das disputas dos grupos lideres em 1859, chegou-se a um acordo “diplomático” e as duas Diretorias e Assembléias deliberaram uma fusão, assim nasceu a Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro.

PORTUGUESES NA BAHIA NO SÉCULO XIX

A história da comunidade portuguesa no Brasil está intrinsecamente ligada a própria história do país. Para entendermos a formação dessa comunidade no século da fundação da Real Sociedade teremos que nos reportar ao processo de imigração portuguesa para a Bahia no mesmo período.

A comunidade portuguesa no século XIX, já formada por dois núcleos: um já cristalizado na sociedade, oriunda do processo de colonização, e outro, de imigração.

O fluxo controlado refere-se a vinda de portugueses especificamente para suprir à necessidade de mão-de-obra assalariada no setor agrário, principalmente do café paulista, devido ao término da escravidão. Na Bahia, esse fluxo não possuiu volume expressivo, pois a crise do setor agro-exportador foi muito forte atingindo toda dinâmica de mercado. Os produtores ou fazendeiros não podiam sustentar um programa de imigração.

O fluxo livre ou espontâneo, mais comum na Bahia, consistia na entrada de portugueses para atividades comerciais, prioritariamente, marítimas ou no setor de serviços como padarias, marcenarias, alfaiatarias, etc.

Os portugueses que vinham para o Brasil, dentro do modelo do fluxo livre, para “fazer fortuna” engajando-se nas mais diversas atividades eram maioritariamente homens jovens e solteiros de 10 a 14 anos. Migravam geralmente sozinhos e com destino definido.

A situação em Portugal era de crise e o desemprego era crônico. A reestruturação política do país somada a problemas de direcionamento do investimento e da montagem da infra-estrutura básica para movimentar o setor agrário gerou uma violenta crise na zonal rural. Porém esses investimentos e prioridades que estavam aliados a um processo de desenvolvimento encontrou barreiras para crescer devido a ausência da base industrial impedindo uma dinâmica acelerada, necessária ao grande volume de capital pertencentes aos países centrais do sistema.

Esse quadro de crise forçou muitos jovens a buscar alternativas que suprissem ao menos suas necessidades imediatas, principalmente as da sua família empobrecida; bem como fugir do serviço militar obrigatório.

Emigrar para o Brasil espontaneamente ou contactar parentes que lá já estivessem, parecia uma boa saída. Era comum o próprio parente chamar o jovem para trabalhar com ele em seu comércio. A maioria dos imigrantes que vinham para a Bahia eram da região do Porto, pois, já existiam aqui instalados, comerciantes portugueses da mesma região. Por ser Recife e Salvador as maiores praças comerciais portuguesas, locais onde os lusitanos tinham maior prestígio social, eram consequentemente zonas de maior fluxo imigratório.

Os rapazes que vinham para a Bahia trabalhar no comércio de um patrício, ocupavam primeiramente, a função de caixeiro (comerciante que trabalha na rede de distribuição de retalhos). Os que vinham por conta própria acabavam engajando-se em trabalhos no ambiente portuário. A atividade marítima também era dominada por portugueses, que ocupavam sempre funções de maior responsabilidade, confiança e rentabilidade. Os marítimos eram o segundo maior contigente profissional luso, sendo o primeiro os caixeiros.

Alguns dos portugueses que aqui instalavam-se conseguiam “fazer fortuna”. A maioria atingia a tão visada “fazer a América” com a ajuda de outros patrícios. Essa solidariedade inerente à comunidade lusitana foi a responsável por vários atos históricos, como a própria fundação da Sociedade de Beneficência. Tal característica é tão intensa que existem comunidades portuguesas organizadas no mundo inteiro, inclusive um órgão central das comunidades portuguesas – Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas – que visa a integração entre os “patrícios” e o estudo da cultura portuguesa.

O sonho do retorno à pátria com fortuna para gozar a velhice tranqüila e deixar um caminho mesmo árduo para os filhos e netos era uma constante no pensamento dos lusitanos imigrantes.

Viver como caixeiro dependia do cumprimento de uma ética própria e de uma disciplina rígida, baseadas na solidariedade grupal e nas relações paternalistas, inerentes a cultura moral portuguesa.

Essas regras morais e religiosas deveriam ser seguidas a risca. Os caixeiros vestiam-se de maneira simples, aos novatos não era permitido o uso de pimpão no cabelo, o corte deveria ser rente. Bigode só para marinheiros e soldados, era um atentado a dignidade e a moral, uma ofensa ao patrão. Até as atividades culturais e recreativas que os caixeiros poderiam participar eram limitadas, para evitar más companhias, alegava o superior.

Existia uma hierarquia rígida e formal nas firmas portuguesas, baseada no tempo de serviço e no grau de parentesco com o patrão. Caixeiros antigos no comércio, filhos, sobrinhos e genros do patrão tinham maiores chances de dirigir futuramente os negócios.

Tais condutas garantiam a continuidade dos empreendimentos comerciais e uma solidez da comunidade, que não era numerosa. Viviam na Bahia aproximadamente três mil lusitanos. Esse número não difere muito do que observamos na atualidade.

Essa comunidade dividia-se em três freguesias da cidade. As freguesias da Conceição e do Pilar, que por serem bairros comerciais concentravam o maior número de portugueses. A proximidade das casas comerciais facilitava o cotidiano. Alguns moravam em sobrados, onde o comércio ficava no térreo e a moradia nos andares superiores. Algumas famílias portuguesas, as mais ricas, transferiram-se do centro da cidade para a freguesia da Vitória, local onde também se concentrava a comunidade inglesa, nobres parceiros comerciais.

A SOCIEDADE BAIANA NO SÉCULO XIX

O século XIX foi um período de mudanças. Momento cujas instituições sociais, culturais, políticas, econômicas e religiosas movimentavam-se para a adequação ou para a resistência às novas regras do capitalismo central. Entretanto, o processo de emancipação do Brasil e do término da escravidão fomentaram reestruturações na sociedade brasileira e baiana.

A Bahia, nesse período, passava por um processo de transição do modelo oligárquico agro-exportador para o comercial exportador de matérias-primas e bens industriais de necessidade secundária. O poder começava a migrar do grupo dos produtores de açúcar para os grandes comerciantes.

Vale ressaltar que a Bahia, tanto no período colonial como no imperial, tinha no comércio exportador seu maior nicho econômico, setor sustentado pela produção do açúcar e outros produtos agrários, liderado pelos senhores de engenho.

Com a crise do açúcar baiano oriunda da conquista do mercado pelo açúcar das Antilhas, essa elite entra em decadência voltando-se para outras atividades políticas – econômicas. O comércio tornou-se uma saída de investimento oportuna; principalmente pelo incentivo do capital externo, dentro de suas estratégias geo-políticas e econômicas. O crescimento desse setor favoreceu o grupo social que já o dominava: os portugueses.

O comércio baiano era controlado majoritariamente por portugueses, principalmente na primeira metade do século XIX. As maiores fortunas da Província da Bahia estavam nas mãos dos lusitanos.

Essa conjuntura é observada na história da Associação Comercial da Bahia e na criação do Código Comercial Brasileiro, pois essa instituição e esse conjunto de leis tiveram influência substancial dos portugueses, inclusive forjando o modelo comercial exportador de matérias-primas e bens industriais de necessidade secundária.

Era grande o prestígio social desses comerciantes, aglutinando as principais atividades econômicas e um antigo poder político, pouco modificado após a independência, detinham um dominatio, somente abalado no final do século XIX e início do XX pela nascente burguesia nacional.

A partir da segunda metade do século XIX ocorreram novas investidas do capital externo no Brasil e particularmente na Bahia, que gerou uma onda modernizadora. O projeto de modernização incluía, basicamente, os setores que estavam deficientes para atender às necessidades das elites locais e do capital externo, eminentemente europeu (inglês e francês). Eram três as principais preocupações: organizar o setor de transportes, o setor financeiro e o setor industrial. Outros setores econômicos e demais grupos sociais ficaram em segundo plano.

Essa nova reestruturação da sociedade baiana  fomentou crises fortes, a exemplo da crise de alimentos e da crise sanitária. A primeira deriva da concentração de investimentos no setor exportador esvaziando a economia interna, especialmente, a de subsistência e a segunda, mais complexa, deriva  de uma tradição escravista e rural despreparada para gerir o espaço urbano.

Em meados do século XIX, os baianos viviam em habitações pouco salutares, conviviam com a sujeira e com a pobreza. A população estava exposta, cotidianamente, aos riscos da fome e de doenças, sendo um alvo fácil para epidemias e endemias.

A Salvador do século XIX não impunha separação rígida entre pobres e ricos no que diz respeito aos locais das suas habitações. A Cidade Alta era composta por cinco freguesias vizinhas e centrais: Santo Antônio Além do Carmo, Passo, Santana, São Pedro, e a Sé que reunia o palácio do governo, o prédio da Câmara Municipal, a sede do Arcebispado e a Faculdade de Medicina, fundada em 1832. Nessa área da Província, residiam senhores de engenho, comerciantes, funcionários civis, eclesiásticos, escravos e libertos habitantes dos subsolos dos sobrados. A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia abrigava várias famílias dos caixeiros e dos comerciantes portugueses.

A distinção dos grupos sociais existentes em Salvador era identificada através da tipologia das casas e pelas condições de moradia. As habitações dos pobres e dos escravos eram pouco arejadas, carentes de luz, com excessiva umidade e calor. Essas edificações eram contrastadas por casarões de pessoas de posses, com muitas janelas e áreas de ventilação possibilitando iluminação natural. Era inexistente nas habitações, independente da classe social, um sistema de esgotamento sanitário. Os excrementos eram despejados em barris e destinados aos rios e praias. O sistema de esgoto da cidade era desorganizado, resumia-se a precárias galerias isoladas, feitas na medida em que aumentava a população, que transitava por um cenário que exibia lixo, animais mortos, ruas cortadas por valas descobertas. Além da falta de higiene, a capital baiana foi ameaçada pela escassez de alimentos, causada pela seca que possibilitou o aparecimento e disseminação de epidemias. As moléstias que se fizeram presentes nesta rotatividade epidemológica foram: varíola; tuberculose; impaludismo; beribéri; peste bubônica; febre tifóide; disenterias e lepra.

A situação endêmica na cidade obrigou o presidente da Província a criar o isolamento em Mont-Serrat, atual Hospital Couto Maia, primeira medida da política de saúde implementada pelo governo para combater as moléstias, no tratamento das vítimas do surto epidêmico.

A Segunda, foi a criação do dispensário em Bom Despacho, na Ilha de Itaparica. Nesse recinto eram realizadas as desinfecções necessárias e na ocorrência de morte, o sepultamento era realizado no cemitério especial, localizado em um anexo do dispensário.

Nessa época os mortos e os cemitérios eram tidos como os responsáveis pela contaminação dos indivíduos através do solo e da exalação de gases, por isso, eram alvos de constante fiscalização. Mortos de doenças transmissíveis tinham um tratamento especial no momento do acompanhamento do féretro e do sepultamento e eram enterrados em caixão de zinco e observadas as mais rigorosas regras de desinfecção.

Uma das epidemias de maior impacto foi a Cólera Morbus. Estima-se que na província baiana ocorreram quarenta mil óbitos provenientes da cólera. Em Salvador, com base nos dados oficiais, o número chegou a 3.962 pessoas. O cemitério do Campo Santo, um dos principais da cidade, recebeu 1.167 cadáveres de coléricos.

O presidente da Província da época, Dr. Álvaro Tibério de Morcovo e Lima diante da caótica situação recorreu ao corpo médico com a esperança de reduzir a ação do morbus e anunciou diversas providencias que deveriam ser tomadas: instruções sanitárias para a população; visitas domiciliares para verificar as condições higiênicas do recinto; abertura de postos sanitários e hospitais; fornecimento a todas as boticas dos medicamentos receitados para combater a doença, com distribuição gratuita; convocação de todo o corpo médico disponível na Província e regiões vizinhas; impedimento de enterros dentro das cidades, vilas e povoações; criação de cemitérios e, desinfecção das casas, templos e cemitérios existentes, para evitar proliferação.

Essas práticas tornaram-se normas e passaram a constar na legislação sanitária do estado republicano baiano, foram fundamentais para compreendermos as premissas para a instalação de uma casa de saúde.

A concepção de medicina urbana da época, não era de uma medicina centrada nos homens, corpos e organismos, mas, no meio que o cercava; o ar, a água, a estrutura das ruas, ou seja, uma medicina que priorizava as condições de vida, sem necessariamente observar às conseqüências das reestruturações urbanísticas na vida dos homens.

Foi neste contexto histórico que cidadãos portugueses idealizaram e criaram as Sociedades de Beneficência.

Em 1º de janeiro de 1857, dá-se início a uma das mais antigas e tradicionais organizações hospitalares do estado da Bahia e do Brasil.

No arrabalde da Vitória, institui-se a Sociedade Portuguesa de Beneficência, tendo como seu primeiro presidente o Sr. Marcos José dos Santos.

Fundada, posteriormente, também por cidadãos de origem portuguesa, a Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro junta-se à Sociedade Portuguesa de Beneficência para constituir a Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro. D. Luiz I, Rei de Portugal, mais tarde, cedeu-lhe o título de Real, passando a denominá-la Real Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro. Em 1866, graças aos seus benfeitores, é inaugurado o primeiro prédio do Hospital Português, no Alto do Bonfim. Em 1931, o Hospital foi transferido para a Avenida Princesa Isabel, local para onde a cidade passava a se desenvolver. A mudança atenderia melhor aos cidadãos soteropolitanos. Durante estes 150 anos, foram inauguradas muitas unidades, novas tecnologias, ações de ensino e pesquisa, além de ações comunitárias, acompanhando os avanços da medicina e preservando a filosofia assistencial que marca a história do hospital. Hoje, o Hospital Português é considerado, sucessivamente, o melhor do estado e da região Norte/Nordeste, e não pára de crescer.

Dentre inúmeros grandes feitos que marcaram a história da Instituição, destacam-se a criação, em 1982, da Quinta da Beneficência – hoje Quinta Portuguesa, um espaço para repouso em meio a uma natureza exuberante, a inauguração do Centro Médico Hospital Português, em 2001, a inauguração do Centro de Recursos Humanos Valdemar Belém, em 2003, além da mais recente ampliação de estrutura, para abrigar novas especialidades, dentro do plano diretor de crescimento. Assim como os primeiros transplantes de órgãos realizados no estado, o Hospital Português também foi palco de grandes feitos na medicina baiana, contribuindo para o aperfeiçoamento da assistência à saúde dos baianos.

Zelando pela saúde daqueles que procuram, em suas instalações e em seus profissionais, soluções para os inevitáveis males que acometem a saúde humana, o Hospital Português se tornou uma referência para a nossa vida e para muitas gerações.

E é assim que ele vai continuar presente no futuro de todos os baianos, fazendo jus aos seus 150 anos de história.

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